fonte: Folha de SP
No apagar das luzes do governo de Michel Temer (MDB), o Ministério da Saúde deixou de importar um um medicamento essencial para o tratamento de cinco tumores raros que afetam mais as crianças e repassou, sem aviso prévio, a responsabilidade aos hospitais oncológicos do SUS. Não há substituto equivalente no mercado nacional.
Sem tempo hábil ou sem recursos para um compra de emergência, alguns hospitais já enfrentam desabastecimento do quimioterápico actinomicina-D, e ao menos 5.000 pacientes correm risco de ter a terapia interrompida.
Entre os tumores tratados com o medicamento está o sarcoma de Ewing, o segundo mais frequente na infância e adolescência.
O ofício do ministério tem data de 7 de dezembro, mas, por conta das festas de fim de ano e da mudança nos governos estaduais, muitas instituições só souberam da decisão no início deste mês.
“Muita gente nem recebeu o comunicado oficial, ficou sabendo pelas comunidades médicas. Mesmo que hospitais queiram comprar neste momento, tem a burocracia envolvida na importação, que pode levar seis meses”, explica Cláudio Galvão de Castro Júnior, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica.
Segundo Leonardo Vilela, presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), a mudança abrupta não permite que os hospitais, especialmente os públicos, façam a reposição imediata.
Ainda em dezembro, no dia 20, Vilela encaminhou um ofício ao Ministério da Saúde sugerindo que a pasta estabelecesse um cronograma de transição, mas não teve resposta nem da gestão anterior e nem da atual.
“É uma situação muito preocupante, pegou todo mundo de surpresa. Isso foi feito de forma brusca unilateral, sem nenhum diálogo”, diz ele.
O desabastecimento se agravou a partir de 2015, quando o laboratório Bagó, único que comercializava o medicamento no país, deixou de fazê-lo. Desde então, o Ministério da Saúde passou a importá-lo e fornecê-lo às secretarias estaduais de saúde, que repassa aos hospitais oncológicos.
Para Antonio Braga, presidente da Associação Brasileira de Doença Trofoblástica Gestacional, a medida do ministério de repassar a importação aos hospitais oncológicos é inexequível, considerando o descompasso entre o valor pago pela importação e o repasse de verbas feito pelo SUS para custear o medicamento.
“A situação é temerária. Os pacientes têm necessidade urgente de tratamento ininterrupto. São neoplasias amplamente curáveis com a actinomicina-D”, afirmou em comunicado enviado às sociedades médicas que lidam com tumores tratados com a droga.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que a compra e a distribuição da dactinomicina, assim como o dos outros antineoplásicos, é de responsabilidade dos hospitais oncológicos do SUS. Mas que, em 2017, devido a restrições do mercado, a pasta centralizou temporariamente a aquisição.
A actnomicina-D faz parte de uma série de outros medicamentos antigos que estão desaparecendo do mercado por serem muito baratos e, por isso, não despertar mais o interesse das farmacêuticas, associados a problemas de distribuição, legislação, carga tributária e problemas nas plantas de fabricação.
Segundo Castro Júnior, os substitutos dessas drogas, quando existem, são muito caros, o que inviabiliza o acesso. Um exemplo é a bleomicina, fundamental no tratamento do linfoma de Hodgkin, que custava R$ 240 e que sumiu do mercado. Seu substituto é o brentuximabe, que custa R$ 18 mil.
Também houve problemas com a L-asparaginase, que ficou em falta e depois houve a importação de um produto que testes diversos mostraram que não funcionava. O desabastecimento também afeta o Bactrin injetável para pacientes com pneumocistose ou bactérias multirresistentes.
O problema de desabastecimento desses medicamentos baratos e essenciais é mundial. Em 2011, o presidente Barack Obama, tornou a resolução desse problema algo prioritário. Mas, no Brasil, a falta só se agrava. “Temos denunciado isso há uma década, mas nada de concreto foi feito”, diz Castro Júnior.
MEDICAMENTO É USADO NO TRATAMENTO DE 5 TUMORES
Cânceres afetam, sobretudo, crianças, mas têm altas chances de cura
Tumores de Wilms
Os tumores de Wilms são cânceres que se iniciam nos rins e, em geral, afetam mais as crianças pequenas. A idade média no diagnóstico é de 3 a 4 anos. A doença é muito rara em adultos. Muitas vezes crescem e alcançam grandes volumes antes de serem percebidos. Nos EUA, há cerca de 500 novos casos desses tumores todos os anos. Há chances de cura para mais de 90% dos tumores de Wilms.
Raddomiossarcoma
Tumor de origem embrionária, é mais comum em crianças e raro em adultos. Normalmente se forma nos músculos esqueléticos, como dos braços, pernas e tórax. Mas também pode afetar cabeça, pescoço, órgãos urinários e reprodutivos. Representam cerca de 3% dos cânceres infantis. Nos EUA ocorrem cerca de 350 novos casos por ano. As chances de cura dependem de fatores como tipo, localização, tamanho do tumor e se há metástases. Crianças de um a nove anos tendem a ter um prognóstico melhor do que bebês ou crianças mais velhas ou adultos.
Sarcoma de Ewing
É o segundo tumor ósseo mais frequente na infância e adolescência. O câncer é altamente agressivo, e pode também surgir em tecidos de partes moles (músculos, cartilagens). Pacientes com doença localizada têm sobrevida em torno de 70-80%. Naqueles com doença metastática (quando o câncer se espalhou), a sobrevida é em torno de 30%. Os sinais e sintomas iniciais incluem massa ou inchaço na área do tumor, dor óssea (que pode piorar à noite), febre sem causa conhecida, perda de peso e cansaço.
Tumores de células germinativas
Derivados das células germinativas, podem ser benignos ou malignos. Ocorrem dentro das gônadas (ovários ou testículos), mas também podem aparecer fora delas, sendo chamados de extragonadais (os tipos mais comuns são: sacrococcígeo, retroperitôneo, mediastino e sistema nervoso central). Representam 3,3% dos tumores malignos na infância. Pacientes com doença maligna localizada têm entre 80 e 90% de sobrevida.
Neoplasia trofoblástica gestacional
Doença pode ter origem na gravidez, no local onde a placenta se liga ao revestimento do útero. O tumor se desenvolve com mais frequência após uma gravidez normal ou aborto, mas pode também se desenvolver após uma gravidez molar (mola hidatiforme completa ou parcial). A taxa de cura é alta, pode chegar até a 100% nos casos que são descobertos precocemente.